sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Carta #1 - Para minha mãe

My mother and her little brown jug
It held her milk
And now it holds our memories
I can hear her singing

[...]

I hear her laughing
She is standing in the kitchen

- A coral room; Kate Bush 

 

Oi mãe.

Estava em uma loja no centro da cidade e ao entrar em um dos corredores vi que já estavam colocando o material de decoração de Natal à venda. E ainda estamos em setembro...

A primeira vez que isso aconteceu depois da sua morte eu me vi desabando no meio da loja chorando como eu não costumo chorar. E isso se repetiu em todos os anos seguintes quando eu ia ao centro e via as lojas vendendo as coisas de Natal. Mesmo depois de oito anos, quando isso acontece, o meu coração ainda aperta e as lágrimas saem. 

O Natal era sua época favorita. Você decorava a casa inteira. Parece que pra você nunca era o suficiente, nunca estava demais. A árvore sempre ia aguentar mais um enfeite, as paredes precisam de mais bandeiras, bonecos de neve, papais Noel, brilho, luzes. Você adorava artesanato e sempre criava algum enfeite a cada ano. 

And Christmases alone.
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Quando você morreu a casa ainda estava toda decorada. Coube a mim desmontar e guardar tudo. Enquanto eu fazia aquilo prometi a mim mesmo que no próximo Natal eu ia comprar tudo novo e decorar a casa de forma que você ficaria feliz.

E naquele primeiro ano eu tentei amenizar sua ausência na casa: limpava, cozinhava, fiz bolo e comprei presentes nos aniversários, comprei ovos de chocolate na páscoa. Comprei uma árvore nova... não a maior da loja mas uma grande o suficiente. Decorei a casa. Tentei fazer o Natal parecer como ele deveria parecer. Tentei meu melhor pra fazer a família continuar parecendo uma família. 

Não tive muito sucesso no fim das contas. Sem você tudo ruiu. Hoje estamos em pedaços fragmentados, cada um em seu canto, cada um envolvido em sua solidão e tristeza. Visitei o pai umas quatro vezes. Meu irmão nem sei onde mora. 

Eu joguei todas as coisas de Natal fora. E esse ano vou passar o Natal totalmente sozinho. 

Andei pensando muito na minha infância, quando a gente ia pra fazenda e a gente passava a maior parte do tempo entrando na floresta, caçando plantas, sementes, galhos, frutos, pedras. Foi por esse motivo que eu escolhi aquela imagem pro seu santinho da missa de sétimo dia. Uma imagem de natureza que lembrava os lugares que a gente ia. 

Me faz falta esses passeios na mata. Agora vivo cercado de concreto sufocante.

"Depois de um desses passeios, certa noite, Nnu Ego se deitou à margem da estrada, convencida de que já havia chegado em casa. Morreu ali, discretamente, sem nenhum filho para segurar sua mão e nenhum amigo para conversar com ela. Nunca fizera muitos amigos, de tão ocupada que vivera acumulando as alegrias de ser mãe.

Quando os filhos ficaram sabendo de sua morte repentina, todos, inclusive Oshia, voltaram pra casa. Todos lamentaram que ela tivesse morrido antes que eles estivessem em condições de proporcionar uma vida boa à  mãe." 

- As alegrias da maternidade, p.308;  Buchi Emecheta

Queria que você ainda estivesse aqui. Queria que tivesse visto que cresci, moro sozinho, cuido de mim mesmo. Queria saber se as coisas teriam mudado muito... sempre penso que se eu soubesse o que aprendi eu teria tirado você de perto do meu pai e te mostrado que você não precisava de passar por tudo aquilo. Talvez estaríamos juntos eu você e meu irmão.  

Parece que só aprendo quando já é muito tarde.   

Você se foi muito cedo.  Só que eu acho que não vou conseguir ser mais velho do que você foi. Quando fui ao seu túmulo recentemente eu senti que era ali que eu tinha que ficar. Cemitérios sempre me trazem a sensação de paz e eu ando precisando disso. Estou tão cansado. 

"Comforting home, mother's lap, chance for immortality"

- Dead boy's poem; Nightwish

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"Chegou à conclusão de que era um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza tremenda..."