sábado, 6 de setembro de 2025

Carta #2 - Para meu Desconhecido

 Olá, meu Desconhecido.

Faz três meses que a gente não se vê, mas eu não te esqueci. É como a língua que involuntariamente entra no espaço de um dente extraído. Tudo no meu dia me faz lembrar de você.

Quando eu levanto e faço a cama: foi vendo você dobrar os cobertores assim que acordava que passei a fazer o mesmo ao invés do meu velho habito de nunca fazer a cama. E sinto falta de levantar e fazer seu café da manhã ou você levantar primeiro de me tacar uma paçoquinha. Meu Desconhecido, você está conseguindo levantar no horário? Conseguiu ajustar os remédios para não ficar tão grogue de manhã? Conseguiu se sentir tão bem que voltou a acordar mais cedo e ir treinar às 6 horas?

Her morning elegance she wears
The sound of water makes her dream
Awoken by a cloud of steam
She pours a daydream in a cup
A spoon of sugar sweetens up

Her Morning Elegance -  Oren Lavie  

Quando chego no trabalho eu lembro de você: era o seu horário de levantar. Dali a pouco chegava sua mensagem de bom dia. E quando eu faço o café eu lembro da nossa rotina de sempre fazer o café de manhã... e agora eu tomo ele sem açúcar, como você fazia. 

E toda vez que eu tomo água eu me lembro de você, meu Desconhecido. Tomar água era uma das primeiras coisas que você fazia pela manhã. Uma garrafinha inteira. E sempre me alertava para tomar também, a todo momento. Agora eu tomo. Mas antes tive cálculo renal porque não segui seu conselho. E você literalmente ficou com um pedaço de mim. Ainda está guardando a minha pedrinha do rim, meu Desconhecido?

E no trabalho eu olho o pessoal da ilustração e lembro de você. Seus desenhos, seu traço tão autoral e característico. Até pensei em tirar seus desenhos que tenho na parede para não doer tanto. Mas não consigo. Meu Desconhecido, como está sua pauta no trabalho? Está cheia? Continua entregando tudo bem rápido? 

A Bjork apareceu em um material que eu estava analisando. Lembrei de você.

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Hoje era o dia de você ir ao supermercado. É a terceira vez que você vai sem mim. Eu sempre queria empurrar o carrinho, te ajudar a carregar as compras. As longas filas em que a gente ia comendo as coisas dos pacotes que as pessoas abriam e deixavam nas prateleiras. Esses dias eu fui ao supermercado e cheirei o sabonete que você usava e chorei ao sentir seu cheiro. Meu Desconhecido, o seu novo Conhecido te acompanha? Ele se  lembra de levar a sacola retornável pra facilitar o carregamento no Uber na hora de ir embora?

Passei na frente daquele lugar que era a pizzaria do Nene na época que a gente estava se conhecendo. Saudade daquele tempo com rodízio por 24 reais. Foi o que fez meu peso subir como nunca.

E hoje seria o dia de fazer pizza. Nunca mais fiz pizza. E agora, meu Desconhecido, como você está comendo? Você tentou fazer pizza? Ou você compra ela pronta? Você cozinha para o seu novo Conhecido? Você disse que ele não sabia cozinhar, né? 

Eu também penso em como está seu freela e toda a sua rotina. Você estava bem estressado de não ter tempo tendo que fazer tanto post no final de semana. A vida domestica sempre me fez tão feliz... queria estar limpando o apartamento enquanto você faz o trabalho, e depois fazer as suas marmitas da semana pra gente poder ter mais tempo juntos. Você está conseguindo manter tudo sobre controle, meu Desconhecido?

Quando vou dormir, apesar de ser uma cama queen eu só ocupo o canto da parte esquerda e sinto a sua ausência do outro lado. Você mudou sua cama de lugar como estava pensando? O seu Conhecido ocupou o lado que já tinha o formato do meu corpo? 

"please put me to bed and turn down the light [...]

Lay down next to me
Don't listen when I scream
Bury your doubts and fall asleep
Find out
I was just a bad dream
Let the bed sheet
Soak up my tears"

- Goodbye; Apparat

Você falou que sonhou comigo, não disse como foi e falou que esperava que eu estivesse bem. Além do sonho, meu Desconhecido, você lembra de mim durante o seu dia? Nesses oito anos em que fomos Conhecidos ficou alguma coisa minha na sua vida? Se você se lembrar de mim, porque viu alguma coisa, algo aconteceu, sonhou comigo, me conta tá? Acho que eu não vou responder, mas vou ficar feliz e vou te responder no meu diário.

And even now
After all this time
I still wonder where you are
Are you happy?
Are you missing me at all?

Reaching out
'Cause I need to know
Are you hurting like I am?
Are you crying?
Are you missing me at all?

- Missing; Indica

 Meu Desconhecido, estava subindo a rua e acariciei uma gatinha naquela casa em frente a catedral. Tão mansinha... e quando fui atravessar a rua no fim do quarteirão havia um gatinho preto, filhote, que havia acabado de ser atropelado, ainda agonizando. Que saudade eu sinto dos gatos. Dos meus e dos seus, meu Desconhecido. O Aphex ainda mia muito para ir passear a noite? A Bjork ainda está gordinha? Eu não consigo parar de pensar no gatinho, meu Desconhecido. Os gatos já vivem tão pouco e aquele gatinho mal havia começado a vida dele e esse foi todo o tempo que ele teve. Não parece justo.

Ah! Meu querido Desconhecido. A vida é muito curta, nosso tempo é muito breve. Você tem a chave da minha casa, mas eu nem tranco a porta mais. O farol do meu coração ainda brilha pra quando você precisar de encontrar um porto seguro. Um dia eu espero que a gente se esbarre e tenha uma nova chance de se conhecer. 

Wherever you go, whatever you do
I will be right here waiting for you
Whatever it takes or how my heart breaks
I will be right here waiting for you

- Right Here Waiting; Richard Marx 

 

 Apelo

     Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.

    Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda. E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada — o meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

- Apelo; Dalton Trevisan 

 

 

 

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"Chegou à conclusão de que era um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza tremenda..."