terça-feira, 2 de setembro de 2025

Quando a primavera vier de novo

"O que vejo - e o que vou dizer é importante para compreender meu irmão, acho - é que no nosso mundo nós não podíamos tentar, enquanto em outros mundos os erros são possíveis, e digo a mim mesmo - é apenas uma hipótese, agora é tarde demais -, digo a mim mesmo hoje que se meu irmão tivesse crescido em outro mundo nossos pais teriam dado a ele o dinheiro necessário para o curso, eles conseguiriam fazer isso, e talvez ele não o terminasse, talvez o abandonasse ou mentisse como tinha feito na escola, mas talvez o terminasse, e talvez esse curso tivesse mudado sua vida, talvez ele tivesse se tornado outra pessoa, talvez tivesse sido mais feliz, mais equilibrado, essas coisas que dizem, e talvez graças a essa nova felicidade ele não tivesse se afundado, e não tivesse morrido, não saberemos jamais, porque em nosso mundo experimentar não era algo possível, depois eu vi o mundo daqueles que vivem com conforto e com dinheiro que alguns de seus filhos eram como meu irmão, alguns bebiam, alguns roubavam, alguns detestavam a escola, alguns mentiam, mas seus pais procuravam coisas para ajudá-los e para tentar transformá-los lhes ofereciam um curso de confeitaria, de dança, de atuação em uma escola de teatro fraca e caríssima, eles tentavam, e é assim a Injustiça, há dias em que a Injustiça me parece mais do que a diferença de acesso ao erro, a Injustiça me parece nada mais do que a diferença de acesso às tentativas, sejam elas fracassadas ou exitosas, e fico tão triste, tão triste."

 - O Desabamento; Édouard Louis p.55-56

 Ando pensando muito sobre esse livro do Édouard. Li em um dia e foi porrada atrás de porrada. E de certa forma esse trecho dialoga com o que eu escrevi da última vez e gostaria de escrever mais. Sinto que não consigo escrever de uma forma lógica. Sempre escrevi no fluxo de consciência só que ainda assim sentia que o que eu dizia tinha algum tipo de conexão, um começo meio e fim. Agora parece que pulo de um assunto ao outro sem aprofundar, sem ir a lugar nenhum e sem finalizar.

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Ainda não consegui me achar, saber quem sou eu, o que eu gosto, o que eu era e não sou mais. Queria poder recomeçar. Mas nem todo mundo tem chance de recomeçar.  As contas precisam ser pagas, tem que bater ponto, o dia é regrado e te desgasta de um forma que não sobra energia pra mais nada. 

Eu já devia estar na cama (embora eu não durma). O dia já acabou e eu não fiz as coisas que eu queria. Ao menos não todas as coisas. E eu queria escrever aqui então acho que vale o esforço. 

Recentemente eu quebrei a minha concha e o que eu consegui com isso foi dor. E agora eu estou criando uma nova concha muito mais forte. Me afastei de todo mundo. Não falo com ninguém. Tirando coisas do trabalho e gente do trabalho eu acabo passando uma semana sem falar com ninguém.

Tem final de semana que eu não ouço uma voz sequer. Nem a minha própria voz. Nada de música, nem rádio, nem a TV como um barulho de fundo. Apaguei rede social, não sei o que acontece no mundo. E acho que não fez diferença. 

 Dá mesma forma que não fez diferença não falar com as pessoas. A vida delas continuou normal. Não fui falta pra ninguém. 

(acabei de lembrar do poema do Alberto Caeiro que escolhi pro santinho da missa de sétimo dia da minha mãe)

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?

Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

A primavera está vindo.

Hoje eu queria ouvir algo que fosse só meu, que eu gostasse muito e que não tivesse memórias atreladas a ninguém. Acabei ouvindo o álbum Forever Young do Alphaville. E foi um momento meu. Me lembrou da época ali por 2007-2009. As madrugadas ou as manhãs quando o mundo estava dormindo e então o mundo parecia só meu. Foi um momento em que consegui me encontrar.

Talvez eu consiga sair de casa mais cedo amanhã e o mundo ainda vai estar dormindo. E, por um momento, mais uma vez, eu vou conseguir sentir que o mundo é só meu. 

(preciso escrever aqui com mais frequência. quando demoro muito os assuntos se acumulam e e talvez por isso que eu não estou conseguindo escrever de forma coesa já que é tanta coisa pra por pra fora que sai tudo embaralhado).

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"Chegou à conclusão de que era um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza tremenda..."