domingo, 4 de abril de 2010

Você está atrasado para o chá!

Pedófilo e drogado. Essas são duas caracteristicas erroneamente (ou não) atribuídas à Charles Lutwidge Dodgson, popularmente conhecido como Lewis Carroll. Esses atributos se deve possivelmente pelo fato do cara adorar crianças (exceto os meninos) e tirar fotos delas nuas e ter escrito uma história considerada um clássico do nonsense.

Mesmo que você nunca tenha o livro ou assistido alguma das inúmeras adaptações, você certamente não é totalmente desconhecido da imagem de uma menina (que na maioria das vezes foi retratada como sendo) loira, vestido azul celeste e avental branco. Alice é como... sei lá, Silvio Santos: você pode nunca ter visto o programa dele mas se ouvir alguém falando "Quem quer dinheiro?" sabe que está imitando o Silvio.

Mesmo sendo uma história altamente criticada, todo mundo sabe sobre a menina que cai no buraco do coelho branco e começa a andar por uma terra chamada Wonderland (Pais das Maravilhas no português) e encontra os personagens mais bizarros já criados para um livro, como o Chapeleiro Maluco, o Gato Risonho ou uma Lagarta que fuma narguilé. A história em si já é estranha: Alice cresce e diminui de tamanho a toda hora, tem diálogos absurdos consigo mesma e outros ainda mais absurdos com os outros personagens.
"Tudo tem uma moral: é só encontrá-la."
- Lewis Carroll


Isso quando olhamos a história superficialmente. Alice no País das Maravilhas é uma história que Carroll inventou para sua amiga Alice Liddell durante um passeio de barco em 4 de Julho de 1862, a garota (na época com 10 anos) gostou tanto da história que pediu para Lewis escrevê-la. E assim surgiu o livro "Alice no Pais das Maravilhas". Matemático e adorador de enigmas, Lewis tratou de colocar isso no livro, assim como diversas críticas ao governo e estilo de vida de seu tempo. Os personagens também são caricaturas das pessoas que rodearam Lewis ou que foram importantes em sua época e essa construção da história é um dos fatores responsáveis pelo conto ser taxado de nonsense, já que boa parte só é entendida pelas pessoas que viveram na época de Carroll e conviveu com as mesmas pessoas que ele.
"Comece pelo começo, siga até chegar ao fim e então, pare."
- Gato Risonho

 Sem enrolar de mais na história da criação de Alice, irei direto ao que interessa. Falei que poderia fazer uma crítica sobre a adaptação do Tim Burton e recebi cobranças dela... eis que então tentarei dissertar uma crítica para o filme. Sou bastante suspeito para falar de Tim Burton, descobri que o cara era meu diretor favorito sem querer e pago pau mesmo. Eu só li o livro Pais das Maravilhas e nunca tive a oportunidade de ler Pais dos Espelhos (a continuação) e por esse motivo minha crítica pode ficar falha em algumas passagens e sobre alguns personagens.

A história doida de Alice chama a atenção de todos e atiça a curiosidade de muitos, é uma das histórias mais adaptadas que existe, passou pelas mãos dos usuários de LSD da Walt Disney, nas mãos de Jan Svankmajer Wonderland misturou live-action com stop-motion, e até uma poota psicopata Alice já se transformou em American McGee's Alice. Quando parece que já não tem mais o que fazer com Pais das Maravilhas, Tim Burton aparece e faz esse pensamento cair por terra.

Ao invés da menininha loura de vestidinho azul celes e avental branco ir andando por Wonderland e dando "ois" e "tchaus" para os personagens que ela encontra pelo caminho, Alice ganha um roteiro com consistência numa espécie de adaptação-continuação que mistura os dois livros amarrados com ideias das cabeças dos roteiristas. O roteiro muito curioso por sinal, é uma história nova mas que olhando de perto é, na verdade, passagens retiradas diretamente do livro e inseridas em um novo contexto.

O prologo mostra Alice ainda criança falando para seu pai sobre um sonho com criaturas estranhas como um dodô, um gato que sorri e uma lagarta azul e pergunta se está ficando louca, seu pai responde que sim, ela ficou louca mas "as melhores pessoas são". Treze anos depois Alice está com 19 anos e se mostra uma mulher independente, daquelas que sai na rua e queima o sutiã... no filme ela não queima o sutiã mas vai à festa de Hamish Ascot sem espartilho e meias, festa a qual ela descobre que foi arquitetada como fachada para ter sua mão pedida em casamento.

No incício do filme somos apresentados a irmã de Alice, as gêmeas fofoqueiras from hell, o marido adultero da irmã de Alice, a mesquinha futura sogra de Alice, a tia louca Imogene (muito bem interpretada pela Frances de la Tour), e o pretendente de Alice, Hamish. No calor da festa, Alice recebe o pedido (ou seria intimação?) de casamento na frente de todo mundo. Sem muito jeito de recusar, Alice pede um tempo para pensar no assunto e sai pela tangente. Na "fuga" ela encontra um coelho branco vestido de colete azul que ela tinha pensado ter visto em outros momentos da festa e começa a seguí-lo.

É agora que a biscate cai no buraco e o espetáculo visual de Tim Burton começa. Até o momento o longa era todo em cenários reais e o buraco é o começo da transição para os cenários em CG. Enquanto cai, a biscate roda que nem o pião da casa própria. Junto com ela cai livros, cai lamparinas, cai piano, cai a mãe, cai poltrona, cai ampulheta... até que ela atravessa o chão e vai parar no teto. Sim, é meio estranho, ela sai do chão e cai no teto para depois a camera dar um loop, mostrá-la de cabeça pra baixo e só então ela cai pro chão. Uma sequencia bem legal.

Creio que esse cenário seja o ultimo real antes dela entrar em Underland (Submundo - no filme a tal terra não se chama Wonderland como no livro. Creio que seja uma referência ao primeiro título da história no manuscrito que o Carroll deu para Alice Liddell que era As Aventuras de Alice Debaixo da Terra). Uma sequência que lembra bastante o livro: Alice tentando abrir as diversas portas e depois bebendo o liquido do vidrinho "Drink Me" e diminuindo de tamanho, depois comendo o bolinho "Eat Me" e crescendo. Um detalhe dessa versão é que só a Alice muda de tamanho, suas roupas não.

Quando a loira do banheiro Alice sai dessa sala, somos apresentados para Underland. Visualmente o filme é incrível e mostra a amplitude da mente de Burton. O full CG dos cenários não é impecável e em muitas partes se mostra sintético enquanto em outras, é difícil dizer se é ou não computação gráfica. Isso não chega a atrapalhar o filme ou ser um ponto negátivo, até trabalha à favor criando uma estranhesa aos olhos que combina com a história. Os cenários são bastante ricos e diversificados, dando a impressão de que ali é realmente um mundo, com diversidade de flora e fauna e uma geografia completa. O contraste de colorido com sombras característico do Tim marca presença, galhos retorcidos e caras pálidas com olheiras também.

Enquanto está em Underland Alice logo fica a par do que está acontecendo ali. A Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) (que na verdade no filme é mais Rainha de Copas) usurpou o trono e agora domina todo o reino e a Resistência trouxe Alice de novo para Underland porque, segundo o oráculo (o calendário deles) só ela pode matar o Jabberwocky (Christopher Lee) no Dia do Fabuloso e assim devolver o reino para a Rainha Branca (Anne Hathaway) e Underland voltar a ser um lugar de paz em que todos sejam livres e felizes para sempre...

Não vou citar cena por cena pra não acaba com a graça de quem vai assistir. O filme é bom, e é estranho
em vários sentidos. Um sentido de estranheza que eu queria ressaltar é a história: olhe Resident Evil - é uma adaptação que não tem absolutamente nada a ver com o material original (o Apocalipse até que tem) e já Alice é uma nova história que é uma ótima adaptação... Não entendeu, né? Acho que esse filme foi a maior demonstração de que uma adaptação boa não é sinômimo de fidelidade à obra, mas sim captura do espírito, da essência do que está se adaptando.

As atuações são ótimas, até as criaturas que são geradas por CG conseguem transmitir um carisma ou medo/aversão quando é essa a intenção. A atuação da Anne Hathaway é gritante de plástica e poderia ser a maior falha do filme se não fosse motivada. A primeira fala da Rainha Branca é "Você tem conversado com as árvores?", só por ai já dá pra ter uma noção da personalidade cheia de não-me-toques e a postura Barbie que a Rainha tem e que justifica a sinteticidade das ações dela que, quando precisa, fica convincente. Só nas horas I'm a Barbie Girl que a atuação soa falsa mesmo.

Alice conseguiu reunir um elenco de peso: Alan Rickman, Christopher Lee, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Crispin Glover, Anne Hathaway, Stephen Fry, Michael Sheen, Timothy Spall... é uma pena que  filme tenha pouco mais que 1h:30min e os personagens acabaram tendo pouco tempo em cena. Christopher Lee em seu papel de Jabberwocky, por exemplo, possui apenas duas falas. Alan Rickman também não aparece muito, entretanto, quando aparece, faz a diferênça. Suas falas são as de maior impacto e é o Absolem (aka Lagarta da Marijuana) o responsável por fazer Alice perceber que não está sonhando em uma linda metáfora de "seguir em frente para uma nova vida."

Burton não deixou de lado sua mania de fazer referência a outros de seus filmes. Em Alice eu lembro de ter pego quatro: uma à Sweeney Todd quando o Chapeleiro fala sobre "tentar perdoar e esquecer" (essa frase é de um verso de uma das últimas músicas do musical), a Árvore do Morto veio direto de Sleepy Hollow (A Lenda do Cavelairo Sem Cabeça) para a porta de Underland, e a borboleta do final do filme me remeteu imediatamente à Corpse Bride que também tem uma borboleta azul no final; me lembrei também de Edward Mãos de Tesoura com as esculturas nas plantas...

E quase me esquecendo, tudo isso é regido pela trilha sonora de Danny Fuck Elfman *ajoelha e louva, amém*. Elfman fez uma bela partitura para Alice, misturando orquestra e coral de maneira elaborada e complexa. Os acordes iniciais me lembraram Howard Shore em Senhor dos Anéis, mudando logo o rumo e virando o bom e velho Elfman com suas letras fluidas e melodias agradáveis. Dou destaque a Alice's Theme (e suas reprises), Only a Dream, Blood of the Jabberwocky e Alice Returns. O filme também teve um álbum de músicas inspiradas e mesmo tendo Tokio Hotel e Avril Lavigne se salva por 3OH!3, Kerli, Pete Wentz ( a música In Transit é muito boa) e Franz Ferdinand. A música da Avril não chega a ser ruim, mas poderia ser melhor se não fosse ela interpretando...

Espero que tenham gostado dessa "crítica", é minha primeira. Com o tempo devo melhorar. A gente se vê no cinema, Alice in Wonderland estreia dia 21 de Abril. Qualquer dia eu faço uma review da trilha sonora de American McGee's Alice compota pelo Chris Vrenna, que também é uma obra de arte.


6 comentários:

  1. Muito bacana, mas, corrigindo-o, o segundo livro não se chama PAÍS DOS ESPELHOS, mas sim ALICE ATRAVÉS DOS ESPELHOS.

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  2. Adorei Salem, eu realmente gostei da sua primeira crítica, tinha já notado a referência a Sweeney Todd, no entanto deixei passar despercebido A noiva cadaver =)

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  3. Adorei a crítica Salem! Como sempre, vc escreve mto bem.

    Não sabia que o Alan Rickman estava nesse filme, interessante saber. Acho ele um bom ator.

    Quando fala em Tim Burton, pode esperar um excelente filme. Embora eu não tenha gostado mto da Fantástica Fábrica de Chocolates (mas ñ vou julgar, falam q é mais fiel ao livro e eu nunca li o livro...=P) e Noiva Cadáver (que achei uma enorme chatisse). Fora esses dois, o resto é simplesmente maravilhoso, então espero que Alice tbm seja!

    Algo que eu sempre quis te perguntar e acabava esquecendo: como e quando vc "conheceu" o Tim Burton? E pq gosta tanto desse diretor?

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  4. @RODOLFO ROCHA
    Isso depende da edição. Algumas é Pais dos Espelhos em outras é Através dos Espelhos outras é Alice do Outro Lado do Espelho. Então não estou errado não, srto!

    @the truesdale
    Obrigado! A primeira que eu notei foi a Árvore do Morto logo nas imagems promocionais do filme, depois veio os arbustos de Edward, quando eu vi o filme ai veio da de Sweeney Todd e Corpse bride.

    @Ninne
    Obrigado!

    Pois é, ele faz a voz da lagarta Absolem. O elenco desse filme é cabuloso.

    Você já chegou a ver Pee Wee? Acho que eu não conheço ninguém que goste desse filme... No começo eu não gostei, só depois de uns 15 minutos é que eu passei a desfrutar do filme. Dou um desconto porque foi o primeiro longa do Burton e o Pee Wee era um personagem de uma série americana e não tinha como o Tim mudar a personalidade dele. Acho que de todos os filmes do Tim o que menos me convence é Marte Ataca.

    Como quase tudo que eu me tornei fã, simplesmente aconteceu. Eu não era ligado nesse negócio de quem era diretor de tal filme, um dia eu fui olhar o IMDb de um dos filmes que gosto e vi o nome do Tim como diretor, cliquei lá e todos os filmes da lista de trabalhos dele eram os meus favoritos... S2

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  5. Eu gostei, mas acho que você poderia resumir menos e criticar mais. Embora as partes de crítica tenham ficado boas. :P

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  6. Gostei muito da sua crítica, parabéns - mas como disse o Richard, poderia ter dado mais críticas do que resumos...

    Bem. Gostaria de deixar aqui algumas das minhas visões sobre o filme que contrapõe as suas. Se não for conveniente, você tem o botão de "excluir" aí para isso =)

    Para ser sincero eu fiquei muito decepcionado com o filme. Creio que visualmente falando o Tim Burton captou muito bem o livro (O Jabberwocky, por exemplo, ficou incrível!), contudo Burton pecou ao transformar a história numa tremenda aventura fazendo o filme perder aquela essência outrora captada e se transformando em um filme de aventura comum, quando poderia se tornar uma obra-prima.

    Invenção de novos personagens quando se poderia ter usado tantos outros side-characters (o que não falta nos dois livros), peças de xadrez lutando contra cartas de baralho foram facadas no meu coração logo quando vi o trailler! (tudo bem que, na cena da batalha no tabuleiro de xadrez a intenção era juntar os dois livros, mas aí a por as peças do jogo contra cartas já é forçar de mais). Usar a Espada Vorpal como uma espada escolhida - um tipo de excalibur talvez -que só funciona na mão da pessoa certa e tudo mais me saiu como uma bruta mesmice.

    O Chapeleiro Louco perdeu a total característica que tinha nos livros - aquela coisa mágica estranha que não sei explicar o que é, mas que é define ele como um chapeleiro louco que só ele é - assim como o Gato de Cheshire e por aí vai. Creio que os únicos personagens que não perderam sua marca foram a lagarta e a Rainha (isso se analisarmos ela como sendo a Rainha de Copas, o que, na minha opinião, foi outro pecado do Burton: Tentar juntar duas personagens completamente distintas (Rainha de Copas, do 1º livro, e a Rainha Vermelha, do 2º)

    No mais concordo contigo: Elenco de peso, CG ótimo, trilha sonora sensacional (só de lembrar do Elfman a melodia de Batman passa pela minha cabeça) e filme bem curto [talvez se fosse mais longo, pudesse ter tido chance de botar um pouco mais do espírito de Alice (livro) no filme]

    E aproveitando... Não sei se você sabe, mas está para sair o filme Phantasmagoria: The Visions of Lewis Carroll, de Marilyn Mason, confesso que apesar de não gostar do Marilyn Mason (musicas, estilo e tudo mais) estou animado para assistir esse filme. A trilha sonora (composta pelo Mason) é baseada na partitura original de Chris Vrenna para American McGee's Alice.

    Desculpe pelo imenso comentário (eu não planejava algo tão grande) e obrigado pela atenção

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"Chegou à conclusão de que era um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza tremenda..."