quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Um luto em observação

No final do ano a gente sempre deseja mudanças grandes para o ano seguinte. Para mim, uma grande mudança veio, mas não o tipo de mudança que eu imaginei. No dia 14 de janeiro minha mãe faleceu.

Ela descobriu um problema no coração em 2009, fez a cirurgia e tudo ficou bem até ano passado, quando o coração começou a falhar novamente. Refez a cirurgia em dezembro, houve algumas complicações, em janeiro elas voltaram e aconteceu o que aconteceu.

Fui vê-la no hospital na sexta-feira e foi uma visão que guardarei pro resto de minha vida. Uma pessoa em coma não é como nos filmes, em que ela fica serena como se estivesse dormindo tranquilamente. Basta lembrar que uma pessoa em coma geralmente está doente... nenhum doente tem um semblante bonito.

A psicologia diz que existem cinco fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Não sei em que fase estou... a sensação é que já passei por todas entre a minha visita na UTI na sexta e o telefonema do hospital no sábado. Não sei se sou muito apático, se sou muito bem resolvido com a morte ou se simplesmente ainda não "caiu a ficha". O fato é que até o momento estou lidando muito bem com a situação.

Após o enterro fui guardar um creme para pele que minha mãe havia deixado na mesa da sala e acabei olhando a validade e vi que estava vencido. Me afundei no pensamento "eu podia ter comprado um creme novo, é baratinho." e isso é o luto pelo que foi. As coisas que a gente queria ter feito diferente, o que a gente queria ter mudado... acho que isso é o mais dolorido. Mas eu sempre evito esses pensamento. O problema maior é quando o dia-a-dia te faz enfrentar a realidade.

Quando a gente chega do velório e tem que guardar dois novelos de lã e uma agulha de crochê que estavam no sofá e você não tinha mexido neles porque não queria bagunçar para que a pessoa pudesse continuar fazendo quando chegasse em casa. É mais tarde, quando você vai ao banheiro e tem que jogar uma escova de dentes fora. É no outro dia, quando você entra na cozinha e vê três máquinas de costura. É quando você vai lavar a roupa e ainda tem alguns vestidos lá. É quando você fica na dúvida se pode colocar um dos vestidos na máquina ou não e você não tem mais a pessoa pra tirar sua dúvida... e você se surpreende em perceber que você se importa se vai estragar o vestido mesmo não tendo ninguém pra usá-lo mais. É você ter que guardar os enfeites de natal e lembrar que no próximo natal você vai ter que colocar tudo sozinho. É ir na sorveteria pra se distrair e a primeira coisa que vem na sua cabeça é que a pessoa não gostava de sorvete de morango. É saber que ninguém vai comentar com você sobre os desfiles das escolas de samba nem sobre o Big Brother. É o tempero diferente na comida.
 
 
 
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe uma paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
- Alberto Caeiro
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário


"Chegou à conclusão de que era um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza tremenda..."