sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Um livro pra conversar

 "Nunca confie em ninguém que não trouxe um livro consigo."
 - Lemony Snicket

Livros são sempre boas companhias. Adquiri o habito de sempre carregar um comigo. Antigamente eu lia apenas no meu quarto, não conseguia concentrar de houvesse movimento ou barulho ao meu redor. Com o passar dos anos, as obrigações aumentaram e o tempo encurtou mais e, se eu quisesse ler teria que criar meu tempo. Foi assim que eu aprendi a ler no restaurante, na fila do banco, na espera do médico.

Sou totalmente sem jeito com conversa com desconhecidos. Me sinto péssimo quando não abro a boca durante a corrida do Uber, mas também não sei puxar ou manter o assunto. A gente fala do tempo, de como os motoristas são péssimos em Uberaba e o assunto morre pra mim. Não sei fazer as perguntas certas, não sei como contar uma história sobre o assunto, não sei o que dizer sobre a história que o motorista está contando. Então mesmo quando tento manter uma conversa ela termina rapidamente em silêncio.

Entretanto, é curioso como os livros me ajudam a iniciar um bate papo agradável com alguém que eu não conheço. Tenho quatro casos para contar sobre o assunto

A uns três anos atrás eu estava na unidade de pronto atendimento, provavelmente a garganta estava inflamada e eu queria uma receita para amoxicilina, quando uma moça de aparência jovem, cabelo chanel preto, um cardigã confortável de lã vinho, gargantilha de pedra, veio me perguntar que livro eu estava lendo, As Brumas de Avalon. Ai ela veio me dizer que já tinha lido. Logo eu sabia que ela não era de Uberaba, mas estava morando aqui com o marido porque ele tinha conseguido uma vaga de professor de geografia em uma universidade... a sensação que eu tive é de que eu a conhecia a muito tempo, que éramos grandes amigos. Enquanto conversava com ela só conseguia pensar em como seria agradável poder conversar mais com ela outras vezes. Infelizmente nunca mais a vi. Nem lembro seu nome.

Um ano depois, já fazendo dois anos que minha mãe havia morrido, meu pai estava muito ruim e queria ser internado em uma clínica de reabilitação. Fui com ele, passamos pelo atendimento médico, assistente social, psicólogo. Entre um atendimento e outro aproveitei pra ler. Quando estava indo embora uma das moças, estagiaria de psicologia, veio correndo até mim para perguntar que livro eu estava lendo, Linha M, da Patti Smith. Ela era uma típica aluna de humanas. Cabelo tingido, look descolado. Talvez lésbica. Não chegamos a conversar muito mas me liguei a ela de uma forma muito forte. Especialmente por ela ter tido todo o trabalho de me perseguir só pra saber qual livro eu lia. Uma pessoa que faz esse tipo de esforço só pode ser alguém muito bom. Não chegamos a falar nossos nomes.

O próximo encontro foi na Casa do Senhor. Não sou de forma alguma religioso, sou ateu, mas estava lá. E como não tinha interesse algum em seguir a missa, me sentei no banco mais distante, no canto mais reservado, abri meu livro e aproveitar a uma hora e meia seguinte. Até que uma moça veio perguntar qual livro era, A Seca. Por ser igreja não deu pra bater muito papo. Mas gostei do jeito novo dela, cabelo afro, com bastante atitude. Alguém que parecia o tipo de pessoa que eu gostaria de manter amizade.

O caso mais recente foi numa academia. Se eu estava em uma academia, certamente não era pra fazer exercícios. Então me sentei confortavelmente em um banco e mergulhei no livro. E então senti um toque no meu ombro. A moça quis saber qual livro eu estava lendo, O Dia Em Que Selma Sonhou Com um Ocapi. Essa eu lembro o nome: Thamirys. Muito comunicativa, muito mesmo. Acredite, ela não parava de falar. Não era nem de Uberaba, mas sim, de Uberlândia. Logo descobrimos uma amiga em comum e basicamente eu não falei nada, só ela.

Ainda tenho um bônus: eu ainda estava na faculdade, estava indo para o curso de inglês, O Morro dos Ventos Uivantes em edição de capa de tecido preto da editora Abril debaixo do braço. Quando passou dois caras de bicicleta e um me dirige a palavra: só não vou te assaltar porque você está carregando a Bíblia. Tenho que dar graças a Deus ou graças aos livros?

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"Chegou à conclusão de que era um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza tremenda..."